sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

TIC: Justiça manda Anatel mostrar lista de bens reversíveis à União cedidos às teles nas privatizações


Decisão impacta em quanto as operadoras terão que investir em banda larga para compensar o Estado por absorver a infraestrutura pública de telefonia

Na última semana, os usuários de internet no Brasil tiveram uma importante vitória na Justiça. Em função de uma ação movida pela organização de defesa do consumidor Proteste, que conta com o apoio do Intervozes, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) será obrigada a incluir a lista dos chamados “bens reversíveis” nos contratos de concessão da telefonia fixa. Mas você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com meu acesso à internet? Explicamos.

Os bens reversíveis são aqueles que, na privatização da telefonia no Brasil, no final dos anos 90, foram cedidos para uso pelas novas concessionárias do serviço de telefonia fixa e que, finalizado o período do contrato com a iniciativa privada, deveriam retornar à União.

A Anatel, entretanto nunca tornou público o inventário completo da infraestrutura que foi entregue às empresas quando o sistema Telebras foi privatizado. Tampouco manteve um controle da atualização dessa lista, à medida em que a rede de suporte à telefonia fixa crescia, inclusive com subsídios públicos – algo básico para acompanhamento da concessão que, se tivesse sido colocado em prática desde o início dos contratos, evitaria que parte dos bens já tivesse sido vendida pelas operadoras sem qualquer controle.

Para além de garantir transparência de quais seriam os ativos envolvidos no contrato de concessão – o que poderia garantir segurança jurídica para o mercado privado, balizar a política pública de forma adequada e permitir que a sociedade exercesse o controle social sobre a exploração dessa infraestrutura pública –, o estabelecimento deste inventário é fundamental para a garantia da prestação do serviço de acesso à Internet. Isso porque, como sabemos, a mesma infraestrutura que, em 1998, só era usada para levar a telefonia fixa aos usuários, hoje é a que transporta os dados para a conexão à Internet.

Em um contexto de consolidação da Internet como ferramenta de comunicação e em que as empresas querem antecipar o fim dos contratos de concessão da telefonia fixa (que deixou de ser considerado um serviço essencial), sendo necessário, portanto, saber os bens que deveriam retornar à União, ter esta lista é fundamental.

Mesmo que essa infraestrutura não seja revertida ao Estado, como propõem as empresas, e sejam absorvidas pelas concessionárias em troca de compromissos de investimento em infraestrutura de banda larga, é preciso ter a medida exata da compensação que deve ser feita ao erário. Afinal, a depender de quais são os bens reversíveis, o volume de recursos que as empresas deverão aplicar para desenvolvimento da rede de suporte à Internet pode ser maior ou menor.

Em 2013, levantamento do Tribunal de Contas da União estimou em R$ 105 bilhões o valor dos bens reversíveis. Já a Anatel, em 2013, estimou o valor apenas das redes de transporte de acesso em R$ 71 bilhões. Agora, representantes das empresas e do poder público falam em algo em torno de R$ 20 bilhões, em função da depreciação dos bens.

O debate em torno do valor dos bens está longe de terminar, mas agora pode ter um ponto de partida comum, a partir da vitória da Proteste. A decisão da Justiça é fruto de uma ação civil iniciada pela associação em 2011. Como os recursos judiciais ainda disponíveis não tem efeito suspensivo, a decisão agora vai para execução provisória, garantindo que o debate em torno do que é ou não da União se dê de forma transparente e que a sociedade possa observar tudo que foi repassado às empresas.

Na contramão do interesse público
Se a Proteste conquistou uma importante vitória para a defesa dos direitos dos consumidores, a Anatel parece se movimentar no sentido contrário. A agência tem trabalhado atualmente para evitar que prédios e equipamentos cedidos à época da privatização entrem no cálculo dos bens reversíveis. Esta mudança poderia reduzir muito o volume de investimento a ser aplicado em ampliação da infraestrutura de banda larga como forma de compensação ao Estado pela absorção dos bens pelas operadoras.

Em 18 de janeiro, o Conselho Diretor da Anatel anunciou que está voltando atrás da decisão que tomou em 2012 e que deixará de reconhecer a reversibilidade de bens imóveis administrativos. Em nota publicada pela Agência, o presidente Juarez Quadros afirmou que a medida fortalecerá a segurança jurídica dos contratos.

A Anatel também anunciou que colocará uma nova regulamentação sobre o controle dos bens reversíveis em consulta pública, mas a medida parece inócua, já que a definição quanto ao que deve ou não ser considerado bem reversível parece já ter sido dada pelo Conselho Diretor da Anatel.

Ao mesmo tempo, o Projeto de Lei Complementar 79/2016, em tramitação no Senado Federal, também propõe uma mudança na definição de bens reversíveis hoje vigente. Segundo o texto, “serão considerados bens reversíveis, se houver, os ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido”, diferentemente do entendimento estabelecido no processo de privatização, em que inclusive os edifícios das concessionárias entrariam neste rol.

O projeto de lei também prevê que, onde a infraestrutura suportar mais de um serviço (telefonia fixa e Internet, por exemplo), a valoração dos bens levará em conta apenas a parcela dedicada ao serviço público.

Na quarta-feira 7, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, declarou que encaminhará o texto do PLC 79/2016 para tramitação em comissões. Na véspera, em carta ao Congresso, Michel Temer defendeu a aprovação do projeto sob o argumento de que “poderá ajudar nos esforços de retomada do crescimento econômico sustentado”.

Ora, num cenário em que o número de domicílios conectados manteve-se estável em 2017, congelado em 54%, o que pode ajudar no crescimento sustentado é um volume de investimentos adequado às necessidades do país em termos de ampliação do acesso à banda larga, e não o entreguismo de bens da União ao setor privado. A conquista da Proteste na Justiça é um passo importante para barrar este ataque ao patrimônio público. O enfrentamento no Parlamento será outro.

Fonte: Intervozes (08/02/2018)

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