quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Fundos de Pensão: Sobre o Projeto de Lei Complementar nº 439/2017 que regulamenta equacionamento de déficit de planos


O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 439, de 2017, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, tem despertado intensas discussões entre os interessados na previdência complementar. O projeto promove uma série de alterações no artigo 21 da Lei Complementar nº 108/01, regulamentando o processo de equacionamento de planos de benefícios deficitários.

O PLP nº 439/2017 é de autoria do deputado Efraim Filho. O objetivo do projeto, segundo a proposta original, seria o de propor “um tratamento mais razoável e protetivo para participantes e assistidos, que são notoriamente hipossuficientes nessa relação, além de objetivar que as eventuais responsabilidades de terceiros, incluindo-se aí atos cometidos por dirigentes de entidades que deram causa aos déficits apurados, sejam devidamente apuradas para só então serem cobradas, a quem de direito”.

Segundo a justificação de motivos do Projeto de Lei Complementar, tais mudanças são necessárias diante do contexto atual, em que 80 entidades fechadas de previdência complementar apresentam déficits que totalizam cerca de R$ 70 bilhões. Nesse contexto, seria necessário proteger os participantes e assistidos, que seriam aqueles usualmente responsáveis por arcar com os custos da má-gestão das entidades.

Do ponto de vista legal, o projeto visa a acrescentar os parágrafos 4º a 10º ao artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01. O § 4º estabelece que a demonstração contábil do resultado deficitário deverá ser decomposta nas seguintes parcelas: aspectos atuariais, variações macroeconômicas, contingenciais, provisão para perdas de investimentos decorrentes de atos de natureza temerária ou fraudulenta e provisões para perda de investimentos decorrentes de outros fatores. Assim, seria possível discriminar as origens do déficit a partir de suas parcelas.

Segundo o § 5º, o equacionamento será executado com paridade entre participantes/assistidos e patrocinadora de modo facultativo em relação às parcelas que dizem respeito a aspectos contingenciais (§ 4º, III) e perdas de investimentos decorrentes de atos de natureza temerária ou fraudulenta (§ 4º, IV), sendo obrigatória nos demais casos. O § 6º cuida de definir o que seriam os atos de natureza temerária ou fraudulenta.

O § 7º estabelece que em casos de desfecho judicial ou arbitral que resultem em reparação financeira à entidade de previdência complementar os valores serão revertidos para recompor o equilíbrio atuarial do plano de equacionamento de déficit, sempre de forma mais favorável aos participantes e assistidos.

Os §§ 8º e 9º tratam das contribuições extraordinárias, que são aquelas vertidas para o equacionamento do déficit, disciplinando que estas não poderão ultrapassar a proporção máxima de 12% da remuneração bruta dos participantes e assistidos, salvo na ocorrência de insuficiência de cobertura patrimonial, conforme o § 10º, e que estas terão o mesmo tratamento tributário das contribuições normais.

Por fim, § 10º determina que o prazo máximo para cobrança das contribuições correspondentes ao equacionamento dos planos de previdência complementar que incorreram em déficit equivale ao dobro da duração do passivo do respectivo plano, observado o § 5º do art. 21 da Lei Complementar nº 109/01.

Verifica-se, portanto, que a alteração legislativa objetiva minimizar o ônus dos participantes e assistidos no equacionamento do déficit e aumentando a responsabilidade dos dirigentes das entidades.

Segundo a previsão legal atualmente vigente, constante no caput do art. 21 da Lei Complementar nº 109/01, parte final, é cabível ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar. Contudo, tal dispositivo é criticado pela sua ineficácia, sendo pouco aplicado na realidade.

Ademais, em grande parte das vezes, os ex-dirigentes não possuem patrimônio suficiente para arcar com as cifras milionárias ou bilionárias do déficit de uma entidade de previdência complementar. Assim, tal dispositivo, em verdade, não consegue proteger, com efetividade, os participantes e assistidos dos planos de benefícios de previdência complementar, que acabam arcando com boa parte do ônus do equacionamento de déficit.

Sabe-se que os preceitos legais e constitucionais que regem as relações de previdência privada consideram que a situação de desequilíbrio – seja ela deficitária ou superavitária – não é desejável em um fundo de pensão. Por essa razão, a legislação (Leis Complementares nº 108 e 109/01) e as normas infralegais (como as resoluções do Conselho de Gestão da Previdência Complementar e as normas emitidas pela Previc) estabelecem uma série de mecanismos visando à restauração do chamado equilíbrio atuarial nas situações acima descritas.

Contudo, a despeito da nobre intenção do PLP nº 439/17, na medida em que, efetivamente, são os participantes e assistidos os principais prejudicados pela má-gestão das entidades de previdência complementar, tendo de arcar com contribuições extraordinárias muitas vezes exorbitantes, verifica-se que as alterações promovidas pelo projeto não oferecem uma solução adequada para a questão.

Uma situação de déficit em uma entidade de previdência complementar nada mais é do que um desequilíbrio negativo nos fundos da entidade. Em termos técnicos, isso significa que a totalização das reservas e fundos não é suficiente para arcar com os compromissos assumidos pelo plano.

Como reconhece a própria alteração legislativa, essa situação de déficit pode ter diversas causas, como causas conjunturais e macroeconômicas, fora da esfera de controle dos administradores. Há, no entanto, uma série de causas que estão diretamente relacionados à atuação dos gestores da entidade, por conta de riscos que são corridos de forma consciente.

A mudança tenciona, portanto, assegurar que as falhas de gestão nas entidades, que tenham como consequência o resultado deficitário, possam possuir tratamento jurídico distinto, não recaindo de sobremaneira nos assistidos e participantes a responsabilidade em arcar com as contribuições necessárias à “normalização” do plano de benefícios.

Embora a nova previsão legal limite o valor das contribuições extraordinárias a 12% do salário bruto do assistido e participante, não fica claro o modo com que o déficit será equalizado do ponto de vista atuarial, já que muitas vezes o valor necessário à equalização do déficit no plano é superior a essa porcentagem do salário bruto dos participantes e assistidos.

Tal medida poderia, em verdade, acentuar a situação de déficit, que não se soluciona de maneira automática, mas por meio de aporte de recursos ou de redução dos benefícios. Se a intenção da legislação é a de minorar o ônus dos participantes e assistidos, seria necessário prever a responsabilização pelo aporte dos valores – ou aos gestores das entidades, ou aos patrocinadores.

Assim, percebe-se que o projeto, embora com uma proposta que é atual e importante – qual seja, reduzir o impacto do equacionamento de déficit nos participantes e assistidos de um plano de previdência complementar – necessita de ser melhor discutido, especialmente do ponto de vista atuarial. Acatadas as propostas iniciais, o risco é de que a situação deficitária apenas se acentue com as novas mudanças.

Sendo o que tínhamos para o momento, subscrevemo-nos, colocando-nos à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.

Leandro Madureira Silva OAB/DF nº 24.298

Gabriel Rübinger-Betti OAB/DF nº 14.777/E

Fonte: ANBERR (03/01/2018)

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