domingo, 17 de janeiro de 2016

INSS: "Se não fizermos as reformas, teremos dias cada vez mais difíceis", diz Jaime Mariz, ex Previc


Há cinco anos, o déficit da previdência social (regime geral) era de R$ 35,5 bilhões. Mas só no próximo ano a previsão do rombo na previdência seja três vezes maior segundo dados: 124,9 bilhões. É nesse contexto que o ex-secretário nacional de Política de Previdência Complementar, Jaime Mariz, defende que o debate sobre uma reforma da previdência é impreterível para o ano de 2016. Além da fixação de uma idade mínima, ele defende que não existe ganho real no reajuste de quem ganha até um salário mínimo como aposentadoria. Caso nada seja feito, Mariz vê um cenário tenebroso para as contas públicas brasileiras, uma vez que a população idoso tende a quase triplicar nos próximos 35 anos.  

Ex-secretário nacional de Política de Previdência Complementar, Jaime Mariz, defende que o debate sobre uma reforma da previdência é impreterível para o ano de 2016

Recentemente o governo Federal voltou a tocar na reforma da previdência. A idade mínima de aposentadoria está no centro das discussões. Isso seria uma solução pontual por conta das dificuldades de caixa do governo, ou realmente deve ser tomada?

O estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria é necessária, mas não é suficiente. O Brasil tem gastos previdenciários completamente desproporcionais a quantidade de população idosa que temos. O Brasil gasta em previdência quatro vezes mais que os EUA. Só em pensões, gasta dez vezes mais que o México. Então, nós precisamos enfrentar o problema previdenciário de uma maneira responsável, atendendo os comandos constitucionais do artigo 201, que determina que a previdência tem que ter equilíbrio financeiro e atuarial. Isso não será conseguido sem reformas  estruturais, e não somente pontuais. O estabelecimento de uma idade mínima alinha o Brasil com o cenário internacional. Acho que três países não têm idade mínima para se aposentar, que são Equador, Arábia Saudita e um país que eu não estou lembrado.   Nós estamos gastando uma quantia muito grande na previdência e muito pouco na educação. Acho que ninguém contesta a afirmação de que “o futuro de uma nação está na educação”. 

O que levou o Brasil a ter essas distorções se comparado com outros modelos previdenciários pelo mundo?

O Brasil aposenta um homem com 54 anos e uma mulher com 51 anos em média. A idade em entrar em gozo de benefício é absolutamente fundamental para se estabelecer o custeio da previdência. Se um homem se aposenta com 54 anos e ele vai viver por mais 30 anos, não há sustentabilidade como a Constituição determina. Precisamos convencer, através de um debate, que o brasileiro precisa retardar a sua aposentadoria para que não sobrecarregue os custos. O Brasil gasta R$ 600 bilhões em previdência, isto é,  aposentadoria e pensões. A gente poderia gastar ¼ disso, como os Estados Unidos. Se a gente tivesse 450 bilhões a mais, a gente teria dinheiro para reforçar os gastos em educação, saúde e infraestrutura, que o Brasil está precisando. Os países da OCDE [Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico] aposentam, em média, aos 65 anos. Tem países discutindo aposentadoria aos 68 anos e 69 anos, como a Itália. A Espanha tem uma idade mínima de 67 anos. O México e Chile já está com 65 anos. E a gente se dando ao luxo de se aposentar homens com 54 anos e mulheres com 51 anos. 

Há quem discorde que exista um déficit na previdência social. O argumento é que a forma como o Orçamento da União é organizado  leva a essa impressão, já que os gastos com assistência social, como pagamento do abono salarial, pagamento de aposentadoria para trabalhadores rurais que nunca contribuíram entram na rubrica da Seguridade Social. Então, é justo e transparente dizer que a previdência, no seu conceito estrito, tem um déficit?

Não somente é justo como é real. Há uma confusão quando se fala em previdência social e seguridade social. Pelo que a Constituição determina a Seguridade Social tem três pilares:    assistência social, saúde e previdência. Então, há quem diga que a seguridade social não é deficitária. Ora, se eu gasto muito na previdência, eu automaticamente tenho que gastar pouco na saúde e, por isso, ela está em crise. O déficit do ano passado deve estar fechando superior a R$ 90 bilhões só no regime geral. Ano passado investimos em saúde R$ 100 bilhões, em educação 100 bilhões. Estamos investindo demais em previdência. Do ano passado para este ano, sobre os R$ 94 bilhões de déficit do regime geral se acrescerá R$ 41 bilhões. Então, a gente terá no próximo ano só o déficit do INSS, superior a R$ 120 bilhões.   

No ano passado houve uma mudança nas pensões por morte. Ela só vai ser concedida vitaliciamente para cônjuges que tenham 44 anos ou mais idade.  Em quanto tempo essa mudança pode trazer impacto nas contas da previdência?

Essa mudança foi absolutamente importante, mas ela mudará o futuro. Nós temos um estoque de pensões concedidas generosamente com o dinheiro público a filhas de desembargadores e funcionários públicos bem remunerados. Filhas essas que casaram de fato, mas não se casaram de direito numa situação de uma pensão vitalícia para uma jovem de 20 e poucos anos que vai viver até os 80 anos. Isso não existe em lugar nenhum do planeta. Essa alteração foi importante para o futuro, agora terá que ser feito um trabalho sobre as pensões concedidas no passado para ver se realmente essas pensionistas continuam fazendo jus às exigências legais para continuar recebendo. O Brasil tem praticamente a idade do México, ambos somos do mesmo continente. O México tem mais ou menos a mesma quantidade de pensionistas do Brasil, mas gasta dez vezes menos do PIB do que a gente gasta com pensões. 

O senhor foi secretário de Políticas de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social e teve como a uma das principais missões convencer prefeitos e governadores a implantar um regime complementar fechado de previdência. Como está o panorama disso pelo Brasil?

A reforma aprovada pelo então ministro Garibaldi Alves Filho, implantada e consolidada nas três esferas de poder federais, transbordou para os Estados e hoje já fizeram reformas semelhantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. A Bahia está acabando de implantar seu regime de previdência complementar. Tem Estados  que estão com a lei aprovada  esperando a criação do fundo que são: Ceará, Pernambuco, Rondônia e Rio Grande do Sul. E outros estão com a lei nos seus parlamentos. É o caso do Rio Grande do Norte, Sergipe, Piauí, Distrito Federal, Santa Catarina e também a capital de São Paulo. Eu diria que essa reforma é absolutamente imprescindível e inadiável para que a gente tenha dinheiro para pagar as pensões de quem está entrando no serviço público agora e demorará 35 anos. Daqui a 35 anos, teremos o triplo de idosos que nós temos hoje. Quem não fizer as reformas agora, vai ter uma dificuldade enorme de pagar a aposentadoria daqui a 35 anos.  É importante dizer que hoje os Estado estão numa crise enorme. Todo mês os cofres do RN complementam a previdência dos servidores públicos do Estado em cerca de R$ 80 milhões e esse número vai se agravar. Não fazer a mudança é desconhecer uma realidade absolutamente dramática pela qual os entes passam. Alguns Estados como o Rio Grande do Sul, campeão em desequilíbrio, tem ¼ das suas receitas para o déficit previdenciário. O Rio Grande do Norte compromete da ordem de 14% da sua receita corrente líquida. É uma discussão difícil porque há uma pouca cultura previdenciária e ao lado disso há uma rejeição em alterar a zona de conforto de nós temos. Mas se não fizermos as reformas, teremos dias cada vez mais difíceis.

A partir de que porte é viável para um município ter regime complementar de previdência?

O Ministério da Previdência está trabalhando para a criação de um grande fundo previdenciário para servir de multipatrocinador para  todo mundo poder, através de um regime de condomínio, participar dos custos para esse fundo de pensão. Se assim for possível,  qualquer porte de município seria viável fazer a reforma e estabelecer um teto de aposentadoria para que, a partir dele, receber pelo regime complementar. Deveremos ter isso aprovado em 2016.  

Quem se opõe a reforma da previdência argumenta haver diretos adquiridos que não podem ser tocados de forma alguma. Na sua avaliação, o que pode e não pode ser mudado?

A reforma não altera direito adquirido, nem a expectativa de direito que é outra figura jurídica. A reforma do serviço público respeitou, porque estabeleceu regra nova para os novos funcionários. Agora, para o INSS não há como se respeitar a expectativa de direito de se aposentar aos 54 anos. Isso não pode. A presidenta Dilma disse que isso era estratégico e terá que haver esse debate e terá que ser implantada uma idade mínima, assim como nossos vizinhos. Teremos que estabelecer um idade mínima de, pelo menos, 65 anos  e crescente a exemplo do que todo mundo já fez. Estamos deixando para nossos filhos um déficit atuarial muito pesado. Iremos pagar altas quantias para os atuais aposentados, drenando recursos de áreas vitais como saúde, educação e segurança. 

Quais as outras mudanças são imprescindíveis para o equilíbrio financeiro-atuarial da previdência?

Se dá ganho real a quem ganha benefício previdenciário de até um salário mínimo todo ano é algo que não se vê no mundo. Terá que ser recomposto o poder aquisitivo do benefício, mas ganho real é muito pesado para os ganhos atuais. 

Fonte: Tribuna do Norte (17/01/2016)

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