terça-feira, 20 de outubro de 2015

Direito Previdenciário: Regulamento do plano válido para concessão de benefício é da admissão (TST) ou da elegibilidade ao benefício (STJ) ?


Boa justiça, mau exemplo

Duas prostitutas, que habitavam a mesma casa, tiveram filhos ao mesmo tempo. À noite, uma delas dormiu sobre a criança e a matou. De madrugada, valendo-se do descuido da vizinha de quarto, a mãe do filho morto sequestrou o filho da outra, e o tomou como seu. De manhã, descobrindo a manobra, ambas foram até Salomão, o rei sábio. Era certo que uma das duas mulheres estava mentindo, mas sem saber qual delas, o rei mandou vir uma espada e avisou que cortaria a criança em duas partes, dando cada parte a cada mãe. A mãe que matara o filho por descuido achou a decisão muito justa, mas a outra, que tinha tido o filho roubado, disse ao rei que preferia que o filho, mesmo sendo dela, fosse dado à outra, para que vivesse. E julgando ter encontrado a verdadeira mãe, Salomão suspendeu a sentença e mandou dar a criança a ela, punindo a mentirosa. E toda Israel ouviu a sentença e temeu o rei porque viram nele a sabedoria de Deus para fazer justiça.


Recentemente, a 7ª Turma do TST julgou um caso em que não aplicou o Direito, e ignorou a sua própria jurisprudência sumulada. Simplesmente pegou uma espada e cortou a lide ao meio, dando metade a cada parte. Um empregado do Banco do Brasil ajuizou ação trabalhista reclamando diferenças de complementação de aposentadoria. Segundo a jurisprudência uniforme do TST, o regulamento que disciplina a complementação de aposentadoria é aquele em vigor no momento em que o empregado foi admitido na empresa e passou a participar do fundo de pensão. As alterações posteriores somente lhe são aplicáveis se forem mais benéficas. As menos benéficas reputam-se não-escritas e somente serão aplicadas para os empregados admitidos a partir de sua vigência.


No julgamento a que me refiro, a 7ª Turma do TST alterou substancialmente o entendimento e proferiu “decisão salomônica”. Se fez boa justiça, não se sabe, mas certamente destruiu a jurisprudência até então firmada, e isso não é bom. Os tribunais precisam passar credibilidade, e credibilidade nos tribunais se cria com eficiência, transparência e segurança jurídica. Não é possível criar segurança jurídica se um tribunal, no julgamento de cada caso, altera a sua jurisprudência ao sabor da conveniência pessoal de cada julgador. A maneira correta de alterar o entendimento de uma súmula é provar que está ultrapassada e provocar o incidente de revisão, inclusive cancelando-a, se for o caso. O que não é possível é deixar de cumprir a súmula porque disciplina judiciária, isto é, respeito ao entendimento sumulado do TST, é justamente tudo o que o TST exige dos juízes de primeiro grau e dos desembargadores dos regionais. Se o próprio TST descumpre as suas súmulas, então ninguém mais precisa cumpri-las.


No caso julgado, o empregado foi admitido em 1978, quando vigorava o regulamento do banco de 1967. O empregado alegou que as regras do regulamento de 1967 eram mais benéficas e se incorporaram ao seu contrato de trabalho. Seguindo a jurisprudência do TST, alegou que era pelo regulamento de 1967 que a sua complementação de aposentadoria deveria ser calculada. Contrariando a sua própria jurisprudência, a 7ª Turma disse não haver “direito adquirido a regime previdenciário" e, assim como Salomão, dividiu o direito em dois. Disse que a complementação de aposentadoria do empregado, trabalhado no regime do regulamento de 1967, deveria ser calculada pelas regras do regulamento de 1967; o tempo trabalhado durante a vigência do regulamento que substituiu o de 1967, deveria ser calculado pelas regras do novo regulamento, ressalvadas as regras mais benéficas.


Ao agir assim, a Turma aplicou um critério apenas matemático, mas não jurídico, e pôs por terra toda a sua construção jurisprudencial sobre o tema previdenciário. Mais uma vez, lembro uma antiga advertência do Direito italiano: quando o Direito se esquece da sociedade, a sociedade se esquece do Direito. O próprio TST tem mecanismos para alterar a sua jurisprudência. Julgar como Salomão fez não é, decididamente, um deles.


Fonte: Monitor Mercantil e Prof. e Dra. Mônica de Cavalcanti Gusmão (19/10/2015)


Nota da Redação: As justiças do trabalho (TST) e a comum (STJ) precisam se entender na questão de qual o regulamento do fundo de pensão válido para a concessão do benefício. A do trabalho definiu que não existe direito adquirido a regime previdenciário e o regulamento aplicado é o em vigor na data da admissão do empregado no fundo, além de todas modificações posteriores, caso sejam mais benéficas ao assistido, enquanto o STJ definiu que existe o direito adquirido e vale o regulamento da época em que o empregado tornou-se elegível ao benefício (completou todos requisitos para requerer o benefício), mesmo não requerendo o mesmo.
Agora o TST modifica sua própria jurisprudência e define regras distintas do cálculo do benefício para cada período trabalhado.
Desta forma a chuva de ações judiciais não cessará jamais, mesmo sabendo-se que a justiça do trabalho não é mais competente para julgar novas ações previdenciárias.
Conclusão: quem conseguiu a tempo ingressar uma ação na justiça do trabalho será beneficiado.

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