terça-feira, 21 de julho de 2015

A caixa de Pandora dos fundos de pensão


Alvo de duas CPIs, os fundos de pensão serão investigados. Apesar da briga política que cercará o debate, é fato que 317 entidades tiveram prejuízo de R$ 31,4 bilhões, em 2014, quando deveriam estar lucrando para garantir aposentadorias no futuro

Fundos de pensão. A expressão, usada como sinônimo de entidades fechadas de previdência complementar, terá destaque nas manchetes a partir de agosto, quando deputados e senadores retornarem do recesso e começarem a funcionar as duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) – uma no Senado e outra na Câmara – que vão investigar os motivos que estão levando muitos desses fundos a registrarem rombos cada vez maiores em suas contas.

Não chega a ser uma novidade a denúncia de mau uso das reservas financeiras dos fundos de pensão, especialmente aqueles dos funcionários de grandes empresas estatais como o Petros (Petrobras), a Previ (Banco do Brasil), a Funcef (Caixa Econômica Federal) e o Postalis (Correios). Mas as CPIs vão abrir a caixa de Pandora que guarda as enredadas negociações político-financeiras sobre essas fundações, o que causará incômodos. No entanto, também jogarão luz na situação dos fundos de pensão, que são tão importantes para o desenvolvimento econômico do país. 

Más intenções à parte, no que diz respeito a eventuais desvios ou irregularidades que possam ser identificados pelas investigações, os fundos de pensão (que são instrumentos de investimentos de longo prazo fundamentais em qualquer economia desenvolvida) estão passando por maus bocados realmente.

Donos de um patrimônio de pouco mais de R$ 700 bilhões (segundo os dados fechados em 2014, o que representa cerca de 13% do PIB brasileiro), os fundos de pensão estão registrando, a cada ano, um número cada vez maior de planos de previdência cujos balanços fecham no vermelho. De acordo com dados da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), que representa 317 fundos de pensão, em 2014, todo o sistema registrou deficit de R$ 31,4 bilhões. No ano anterior, o saldo negativo tinha sido de R$ 21,4 bilhões.

O deficit, nesse caso, significa a diferença negativa entre o patrimônio total de uma fundação ou de um plano de previdência específico e os seus compromissos futuros com aposentadorias e com pensões trazidos a valor presente. Assim, quem está operando no vermelho, grosso modo, pode-se dizer que mesmo que vendesse tudo o que tem hoje, não conseguiria pagar os beneficiários, com base no valor atual.

 A explicação da Abrapp é que isso resulta da baixa rentabilidade dos investimentos dos fundos. Em 2014, por exemplo, os investimentos em ações e títulos em geral dos fundos de pensão ficou em torno de 7,07%, algo muito abaixo da meta de 12,07% necessária para garantir o pagamento dos benefícios futuros, segundo a associação. Isso mesmo tendo gente especializada para procurar aplicações que acompanhem a correção das dívidas com os beneficiários dos planos.

O consultor em Previdência, Antonio Fernando Gazzoni, alerta que essa redução de rentabilidade dos investimentos dos fundos está ocorrendo há alguns anos e, se nada for feito do ponto de vista estrutural para melhorar os resultados das entidades de previdência, “em breve os fundos terão que vender patrimônio para honrar benefícios”. O que, do ponto de vista econômico, será um desastre, já que o país poderá perder grandes investidores de longo de prazo.

Numa ponta, o problema afeta diretamente quase 600 mil aposentados e interessa a outros quase 3 milhões de empregados de cerca de 3 mil empresas públicas e privadas que mantém os 317 fundos de previdência complementar. Por mês, são pagos em torno de R$ 2,5 bilhões em benefícios.

As reservas financeiras desses fundos, acumuladas graças às contribuições das empresas e dos funcionários, são aplicadas no mercado financeiro para gerar rentabilidade e garantir o complemento das aposentadorias. O que isso significa? Dignidade e garantia de renda futura para milhões de pessoas (e suas famílias) quando pararem de trabalhar.

Na outra ponta, os investimentos feitos com as contribuições são uma das principais fontes de financiamento de longo prazo para as empresas das quais os fundos de pensão adquirem ações e outros títulos.

Por isso, defende o consultor Gazzoni, “é preciso romper a inércia”. Segundo ele, é preciso que se discuta amplamente dentro do governo formas de incentivar esse tipo de poupança doméstica por meio, por exemplo, de mais estímulos tributários direcionados: ou seja, aumentar o limite para que as pessoas possam compensar em seus impostos as contribuições feitas a um plano de previdência complementar. É preciso, ainda, defende o especialista, criar novos modelos de previdência, que tornem o objetivo de poupar para o futuro mais atrativo às pessoas.

No atual momento, certamente, abrir mão de impostos não está na agenda governamental. Mas é preciso estimular o debate neste momento para que, passada a crise econômica, os fundos de pensão possam ser alavancados, iniciando um ciclo virtuoso de investimentos na economia.

Talvez os holofotes que as CPIs jogarão sobre o sistema de fundos de pensão a partir do segundo semestre do ano permitam também esse debate. É certo abrir a caixa de Pandora e deixar que todos os males aprisionados ali venham à tona, mas que se mantenha pelo menos a esperança de que reformas estruturais serão adotadas no final.

Fonte: Isabel Sobral e Fatoonline (21/07/2015)

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