segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Fundos de Pensão: Com a nova regulamentação da Pensão por Morte, advogados da Abrapp alertam para risco de reajustes imprevistos de benefícios em alguns planos BD


Valorização do contrato fortalece a segurança jurídica
Roberto Eiras Messina *

No Brasil vivemos a constante necessidade de lembrar a importância do respeito ao contratado. Embora o respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido constituam regras albergadas em nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal (art. 5º, XXXVI) até a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 6º), fato é que sempre que há alteração legislativa – ou perspectiva de alteração legislativa – o cuidado e a atenção com este assunto devem ser redobrados.

No momento, a recém editada Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, promovendo alterações na legislação de concessão de beneficios previstos tanto no Regime Geral da Previdência Social como no Regime Próprio do Servidor Público Federal, é o instrumento a merecer atenção, do ponto de vista de possíveis repercussões, em relação ao segmento da previdência complementar, sobretudo o fechado.

As alterações legais propostas – e que deverão seguir trâmite perante o Congresso para a provável  conversão em Lei – sem dúvida alguma parecem adequadas no sentido de convergirem aos princípios da reforma previdenciária estabelecidos na Emenda Constitucional 20, de 1998, segundo os quais a abrangência do sistema de seguridade social brasileiro construído a partir da Constituição de 1988 deveria se compatibilizar com as transformações sociais experimentadas.

Com efeito, ao longo deste período, seja em face da mecanização, automação e incrementos tecnológicos, reduzindo receitas de contribuições oriundas de mão-de-obra, seja em função do declínio da natalidade e do aumento da longevidade, todos estes fatos relevantes, tem se tornado cada vez mais importante a reflexão sobre a estruturação do financiamento do sistema previdenciário a ser suportado por toda a sociedade.

Considerando já a alta carga tributária existente no Brasil, medidas de ajuste nos regimes públicos - já há algum tempo detectadas - passaram a ser perseguidas e implementadas, com vistas ao contínuo saneamento e equilíbrio das contas públicas, a fim de evitar aumento de pressão, sobretudo para as gerações futuras.

Entretanto, a par das medidas governamentais corretivas, objeto de aplauso, nos cabe estar atentos a possíveis efeitos colaterais indesejados, justamente porquanto inapropriados se atingem o contratado.

Assim, a despeito da autonomia constitucionalmente reconhecida entre os sistemas públicos de previdência e o regime da previdência privada, mesmo para o caso dos servidores públicos, é sempre bom estar alerta para o fato de que os planos de benefícios instituídos sob a modalidade de benefício definido podem sofrer consequências, ainda que indevidas, daquelas alterações.

A razão disto é que muitos regulamentos de planos, de forma até ingênua, mantém referências à carências e regras de concessão de benefícios dos regimes públicos, por uma questão de correlação histórica com a finalidade da previdência privada constituir uma renda complementar à daqueles regimes.

E por conta destas alusões nos regulamentos, muitas vezes há uma tendência, equivocada, de admitir-se uma automática incorporação das novas regras aos contratos previdenciários.

Ora, sabemos que as reservas técnicas dos planos instituídos sob a modalidade de benefício definido são constituídas com base em premissas técnicas adotadas para a própria massa de participantes e assistidos de cada plano, as quais são objeto de estruturação inicial e avaliação periódica pelos profissionais da atuária, não podendo sofrer influências aleatórias com base em circunstâncias não previstas mas que passam a ser açodadamente (mal) compreendidas como integrantes do contrato a partir de meras referências ou reportes regulamentares, como expressões indicativas de comandos referenciais tais “segundo as regras do regime geral” ou “segundo as regras da previdência social”.

Estas situações previstas nos regulamentos (contratos) dos planos de previdência privada devem ser examinadas com cautela, a fim de não propiciarem um indevido desequilíbrio na relação jurídica estabelecida, inclusive como tem ocorrido em momentos passados.

Exemplo do que se alega encontramos na contagem de tempo de serviço especial, quando a legislação vigente à época da elaboração dos planos de previdência privada admitia a conversão de tempo de serviço normal para especial à razão de 1,2 (art. 9º, § 4º da Lei 5.890/73 delegando ao Ministério da Previdência e Assistência Social o poder de estabelecer critérios de conversão) e o Decreto 611/92, que regulamentando a Lei 8.213/91, em seu art. 64 alterou o critério então utilizado pelo Regime Geral desde outubro de 1983 e passou a admitir essa razão em 1,4, causando aceleração de tempo de serviço incompatível com o financiamento das reservas técnicas que os planos tinham adotado, provocando uma avalanche de ações em busca de benefícios indevidos, situação a qual ainda não foi definitivamente estancada.

Devemos nos lembrar, ainda, de que conceitualmente os planos instituídos sob a modalidade de benefício definido estabelecem um alvo de benefício, que usualmente constitui a média das últimas remunerações (atualizadas) deduzida daquilo que o benefício da previdência pública paga ou deveria pagar ao participante quando de sua jubilação. Ora, se o subtraendo dessa equação sofre redução, por força de alteração das regras de concessão da previdência pública, a tendência é que o plano de benefícios, num primeiro momento, seja chamado à arcar com a diferença, em suposto respeito ao contratado.

Por outro lado, se o plano de previdência privada prevê concessões vitalícias e a nova regra limita, por exemplo, as concessões de pensão a um determinado período, não necessariamente o benefício devido pelo plano de previdência privada se extinguirá junto com o benefício análogo do regime público pela simples razão de que a regra de financiamento estabelecida do plano de previdência privada não pode sofrer alteração por conta daquele fator da previdência pública.

Deste modo, temos de ser cautelosos no exame das situações que já se põe para o presente exercício, cabendo aos Fundos de Pensão avaliarem suas situações de modo que possam, o quanto antes, adotar as estratégias de correta e adequada comunicação aos seus participantes, assistidos e patrocinadores, evitando ou procurando evitar que a incompreensão grasse e que ações menos comprometidas com a segurança e estabilidade do sistema comecem a ser tomadas em busca de “brechas” para aumento indevido de benefícios, em prejuízo dos demais participantes e benefícios, ou inversamente, para diminuírem compromissos assumidos, maculando o contrato previdenciário e, pois, a idéia da previdência complementar.

Relembra-se aqui, sobre segurança jurídica, a abalizada lição de Odete Medauar:

“Em essência segurança jurídica diz respeito à estabilidade das situações jurídicas. Expressa a condição do indivíduo como sujeito ativo e passivo das relações sociais, quando podendo saber quais são as normas jurídicas vigentes, tem fundadas expectativas de que elas se cumpram. A sociedade necessita de uma dose de estabilidade, decorrente, sobretudo, do sistema jurídico. A segurança jurídica permite tornar previsível a atuação estatal e esta deve estar sujeita a regras fixas. Diz respeito, assim, à estabilidade da ordem jurídica e à previsibilidade da ação estatal.”[1]


Segurança jurídica, portanto, não é um conceito abstrato nem uma idéia pré-concebida. É um estado, um valor, que na medida em que arraigado na estrutura de uma dada sociedade viabilizará seu constante desenvolvimento mediante a proteção de seu próprio processo transformador. 
Caso não tenhamos isto como um norte, sem dúvida alguma continuará correndo risco o contrato de previdência privada.

* Roberto Eiras Messina é advogado do Escritório Messina, Martins e Lencioni Advogados Associados e integrante da Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp

Fonte: Diário dos Fundos de Pensão (12/01/2015)

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