quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Fundos de Pensão: Previc viola resolução do CMN e LC 109 ao não enviar ao MPF os autos de infração com indícios de crimes nos fundos de pensão

Violação às diretrizes da resolução CMN nº 3.792/2009: a necessidade de encaminhamento dos autos de infração lavrados pela PREVIC ao Ministério Público Federal
Por Leonardo Vasconcellos Rocha (*)
Criada pela Lei 12.154, de 23 de dezembro de 2009, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, por força do disposto no art. 55 desse diploma, herdou as competências atribuídas à extinta Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social – SPC (sucedida pela nova autarquia):
 “Art. 55. As competências atribuídas à Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, por meio de ato do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, do Conselho Monetário Nacional e de decretos, ficam automaticamente transferidas para a Previc, ressalvadas as disposições em contrário desta Lei.”
Nessa conformação legal, o art. 5º, parágrafo único [1], do Decreto 7.075/2010 – que a regulamentou – previu que, não só as referências à SPC, mas ao órgão fiscalizador ou supervisor das atividades das entidades fechadas de previdência complementar contidas na legislação em vigor deveriam ser entendidas como referências à PREVIC.
Uma dessas competências herdadas, na qualidade de órgão fiscalizador, foi a de noticiar ao Ministério Público a existência de indícios de crimes em entidades de previdência complementar, enviando-lhe os documentos comprobatórios (Lei Complementar 109/2001, art. 64).
A análise aqui realizada será dedicada a apontar a relação desta obrigação legal com outra competência também inerente à sua atividade fiscalizatória: a de zelar para que os recursos correspondentes às reservas técnicas, provisões e fundos constituídos por entidades fechadas de previdência complementar sejam aplicados conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN (Lei Complementar 109/01, art. 9º, § 1º).
Serão explicitadas algumas características do tipo infracional alusivo ao descumprimento dessas diretrizes, no intuito de demonstrar certo grau de identidade com os elementos caracterizadores do crime de gestão temerária (Lei 7.492/86, art. 4º, parágrafo único).
Com isso, pretende-se de demonstrar que a aplicação de uma penalidade decorrente desta específica infração administrativa, por si só, presume a existência de ao menos indícios do mencionado crime de gestão temerária, a demandar a remessa do respectivo auto de infração ao Ministério Público Federal.
A PREVIC, como adiantado, por meio da sua Diretoria de Fiscalização e no exercício do seu poder de polícia, lavra autos de infração, tendo em vista irregularidades encontradas na gestão de investimentos da entidades fechadas de previdência complementar.
Quanto a este específico ponto, vale transcrever o art. 9º da Lei Complementar nº 109/2011:
Art. 9º As entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§1º A aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de que trata o caput será feita conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
O CMN, no exercício de sua competência regulamentar, fixa tais diretrizes, de forma a nortear as condutas dos gestores de fundos de pensão em relação aos investimentos dos respectivos recursos garantidores, estabelecendo certas balizas.
Atualmente, está em vigor a Resolução 3.792, de 24 de setembro de 2009, que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar.
A título ilustrativo, podem ser citados os limites de alocação de recursos por segmento – tais como empréstimos feitos a participantes, investimentos em renda fixa, em renda variável, no exterior ou em imóveis (Resolução 3.792/2009, arts. 35 a 40) –, assim como por emissor – títulos públicos federais, títulos públicos estaduais, companhias abertas, fundos de investimento em direitos creditórios, entre outros (Resolução 3.792/2009, art. 41).
À medida que vão ocorrendo alterações na conjuntura econômica, esses limites de investimentos podem ser alterados, sempre no intuito de fornecer maior segurança à atividade empreendida pelos fundos de pensão e, principalmente aos participantes e assistidos dos respectivos planos de benefício.
O alicerce de tal normatização, contudo, permanece inalterado, consubstanciando-se em princípios como segurança, rentabilidade, solvência e liquidez.
Estão positivados no art. 3º, inciso III, da Lei Complementar 109/2001, segundo o qual “a ação do estado será exercida com o objetivo de determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades” e são reproduzidos no corpo do regulamento em questão:
Art. 4º Na aplicação dos recursos dos planos, os administradores da EFPC devem:
I - observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência;
II - exercer suas atividades com boa fé, lealdade e diligência;
III - zelar por elevados padrões éticos; e
IV - adotar práticas que garantam o cumprimento do seu dever fiduciário em relação aos participantes dos planos de benefícios.” (Resolução 3.792/2009)
Pois bem. O processo sancionador da PREVIC é regulamentado pelo Decreto 4.942/2003. E coube ao seu art. 64 estabelecer a penalidade pelo descumprimento do disposto no art. 9º da Lei Geral de Previdência, já referido anteriormente. Eis o que dispõe o aludido art. 64 do Decreto:
Art. 64. Aplicar os recursos garantidores das reservas técnicas, provisões e fundos dos planos de benefícios em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Penalidade: multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo ser cumulada com suspensão pelo prazo de até cento e oitenta dias ou com inabilitação pelo prazo de dois a dez anos.
Do exposto até aqui, já é possível alcançar a razão de ser desta tipificação e consequente penalidade.
De todo modo, não custa lançar mão da doutrina para reforçar esta percepção.
Ao comentar alguns dos requisitos básicos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, DENISE MAIDANCHEN (Fundos de Pensão e Mercado de Capitais. – Adacir Reis (org.) – São Paulo: Peixoto Neto – 2008 – p. 86/87), esclarece o seguinte:
 “... os recursos garantidores dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar devem ser aplicados com observância dos seguintes requisitos:
Segurança: zelo ao aplicar os recursos, seja no mercado financeiro ou de capitais, seja em qualquer outro ativo; tal requisito está intrinsecamente ligado ao gerenciamento dos riscos;
Rentabilidade: remuneração e otimização dos ativos garantidores do plano de benefícios, em sintonia com a taxa de juro atuarial e o índice de correção adotado pelo plano de benefícios, identificando a melhor relação de risco e retorno de cada ativo;
Solvência: capacidade de honrar as obrigações do plano de benefícios, ou seja, os ativos do plano de benefícios devem ser aplicados de tal modo que garantam os compromissos assumidos;
Liquidez: capacidade de converter ativo em dinheiro, de acordo com o vencimento das obrigações atuariais, sem comprometer a rentabilidade.”
Como se vê, quando a PREVIC lavra um auto de infração, parte do pressuposto de que o(s) apenado(s) ignorou os parâmetros técnicos estabelecidos para as aplicações aludidas no tipo infracional, deixando de observar as condições de segurança do investimento fixadas pelo CMN em decorrência do já mencionado comando inscrito no art. 9º, § 1º, da Lei Complementar nº 109/2001.
Não é só. Há que se ter em mente o fato de se tratar de padrões mínimos de conduta. É esta a dicção do já mencionado art. 3º da LC 109/01 – “a ação do estado será exercida com o objetivo de determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial.”
A visão da PREVIC a esse respeito está assim sintetizada em seu GUIA PREVIC – Melhores Práticas em Investimento [2], precisamente no campo intitulado estratégias e diretrizes:
“50. A transição de ativos mais arriscados para menos arriscados deve buscar minimização dos riscos de perda ao participante.
51. O principal direcionador dos investimentos da EFPC deve ser a distribuição temporal dos fluxos de pagamento. ‘Isso não impede que, dentro do portfólio de carteiras que se adequam a esse objetivo, seja escolhida aquela que maximiza rentabilidade com risco adequado ao perfil’.
52. Limite máximo e mínimo planejados de cada um dos segmentos e modalidades de investimentos na vigência da política de investimento devem ser representativos da estratégia de alocação de cada plano de benefícios, portanto mais restritivos que a legislação vigente. Assim, não se esperam bandas muito largas para cada um dos investimentos, pois demonstram baixa confiabilidade nas ferramentas de planejamento dos investimentos de longo prazo” (grifado)
Como se vê, o próprio órgão fiscalizador recomenda a utilização de critérios mais rigorosos em relação à política de investimentos do que aqueles estabelecidos pelo CMN, o que denota a gravidade, a falta de zelo, dos responsáveis por condutas tais quais as que se está a apreciar.
Diante dessa consciência pré-estabelecida pela autarquia em relação a este tipo de infração, é que se questiona acerca de se estar diante de indícios, ao menos, do crime de gestão temerária.
Considerando que a presente abordagem está contextualizada no campo da legislação própria do regime de previdência complementar fechada, não há, aqui, qualquer pretensão de esmiuçar o tipo penal em questão.
Mesmo porque, considerando a atribuição imputada à PREVIC de simplesmente noticiar situações que supostamente configurem indícios de crimes, uma noção superficial dos elementos caracterizadores da espécie ser revela mais do que suficiente.
E, para tanto, pode-se lançar mão dos indicativos fornecidos pela jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, a exemplo do seguinte julgado do TRF da 1ª Região, assim ementado:
 “PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.492/86, ART. 4º E ART. 5º. GESTÃO TEMERÁRIA E DESVIO DE RECURSO EM PROVEITO PRÓPRIO E ALHEIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 26 DA LEI Nº 7.432/86 E ART. 109-VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
1. A conduta tipificada como o crime de gestão temerária e de desvio de dinheiro, descrita nos arts. 4º e 5º da Lei nº 7.492/86, consiste em administrar uma instituição financeira sem a cautela inerente a tal atividade, o que coloca em risco o bom desenvolvimento da empresa ou dos recursos postos a seus cuidados, em desatenção à prudência exigida de quem administra dinheiro ou fundos de outrem.
2. A Lei n. 7.492/86 equipara a instituição financeira a pessoa jurídica que capta ou administra seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros.
3. É da competência da Justiça Federal processar e julgar crime financeiro de operações de consórcio clandestino, ou seja, sem autorização legal (STJ, CC n. 41.357/SP - 3ª Seção - Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca).
4. Caracterizada a atividade de instituição financeira pela AFAP- Agência de Fomento do Amapá (Banco do Povo) e, desviados recursos de um dos fundos dos quais era responsável, o FDA - Fundo de Desenvolvimento do Artesanato, pelo então Diretor - Presidente da AFAP (Banco do Povo) em seu proveito próprio e alheio resta, em tese, demonstrada a prática da conduta de gestão temerária e desvio de recursos de instituição financeira, delitos de competência da Justiça Federal.
5. Recurso em sentido estrito provido.( RSE 0006371-75.2010.4.01.3100, Relator Desembargador Federal ÍTALO MENDES, QUARTA TURMA, e-DJF 19.04.2013– grifado)
No mesmo sentido, vale mencionar o seguinte julgado do TRF 4ª Região:
PENAL. PROCESSO PENAL. GESTÃO TEMERÁRIA. RECURSO DA DEFESA. NÃO CONHECIDO. APELO DA ACUSAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL. DOLO. AUSÊNCIA. ADMINISTRAÇÃO DE RISCOS. DESPROVIMENTO DO APELO DA ACUSAÇÃO. MANTIDA A ABSOLVIÇÃO.
 (...)
3. O crime de gestão temerária não é culposo, o agente tem de voltar sua conduta consciente de que está expondo a instituição financeira a perigo excessivo, acima de qualquer limite comumente aceitável, arriscando o patrimônio próprio da instituição e de terceiros que nela confiam seus depósitos. Admite-se também - e é mais comum - a hipótese de dolo eventual, onde o agente tem a previsibilidade do resultado de perigo, porém a ele é indiferente, assumindo o risco de produzi-lo, embora não o deseje. A simples gestão ineficiente ou malsucedida, desprovida do elemento subjetivo do dolo, não configura o ilícito penal.
4. O risco é inerente ao negócio bancário e deve ser analisado quando da concessão inicial do crédito. Após esse momento, iniciando-se o relacionamento com o cliente, a instituição financeira já assumiu o risco da inadimplência e aí as decisões situam-se na administração do risco assumido.
5. Não se verificando a comprovação do necessário elemento subjetivo do tipo na atuação do réu, a absolvição é medida que se impõe.
6. Apelação da defesa não conhecida e negado provimento ao apelo do Ministério Público Federal. (APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.70.00.032190-0/PR, Relator Juiz Federal Pedro Carvalho Aguirre Filho, 8ª Turma, Publicado em 30.5.2012 – grifado).
Revela-se indubitável que a falta de cautela ou prudência, bem como a assunção de riscos excessivos são elementos que permeiam a conduta do crime de gestão temerária. Elementos esses diametralmente opostos aos princípios que se busca defender com a fixação de padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial na aplicação de reservas garantidoras de planos de benefícios.
Portanto, como exposto ao longo da presente abordagem, quando a PREVIC aplica penalidades administrativas com base no mencionado art. 64 do Decreto 4.942/2003, é de se presumir que ao menos indícios deste crime estão presentes na espécie.
Nessa linha de raciocínio, o encaminhamento dos autos ao Ministério Público Federal é medida que se impõe.
CONCLUSÃO
As breves considerações aqui expostas destinaram-se a demonstrar o elevado grau de proximidade entre o delito de gestão temerária, previsto no art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86 e a infração administrativa constante do art. 64 do Decreto 4.942/2003, caracterizada pela aplicação de recursos dos planos de benefícios de fundos de pensão em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Notadamente pela explicitação dos princípios inerentes ao estabelecimento destas diretrizes fixadas pelo CMN (segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência), buscou-se evidenciar a presunção de temeridade na conduta do gestor que as descumpre, apta a configurar indícios do aludido tipo penal.
No caso, a prudência recomenda que não seja o agente do órgão fiscalizador o responsável por chamar para si a responsabilidade de sepultar a deflagração de uma potencial ação penal.
Assim, em tais hipóteses, a remessa dos autos a quem tem por ofício a realização desse juízo revela-se a medida acertada.
REFERÊNCIAS
MAIDANCHEN, Denise. Fundos de Pensão e Mercado de Capitais. – Adacir Reis (org.) – São Paulo: Peixoto Neto, 2008.
Guia PREVIC de Melhores Práticas em Investimento. 1ª ed. Nov. 2011. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/previc/previc-publicacoes-guia-previc-%C2%96-melhores-praticas-em-fundos-de-pensao/>. Acesso em: 4 de dez. 2014.
NOTAS:
[1] “Art. 5º (...)
Parágrafo único. As referências à Secretaria de Previdência Complementar ou ao órgão fiscalizador ou supervisor das atividades das entidades fechadas de previdência complementar contidas na legislação em vigor devem ser entendidas, a partir da publicação deste Decreto, como referências à PREVIC.”
 [2] “Guia PREVIC de Melhores Práticas em Investimento. 1ª ed. Nov. 2011. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/previc/previc-publicacoes-guia-previc-%C2%96-melhores-praticas-em-fundos-de-pensao/>. Acesso em: 4 de dez. 2014.”
(*) Leonardo Vasconcellos Rocha é Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal.
FonteConteúdo Jurídico, em 15.12.2014

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