terça-feira, 14 de outubro de 2014

TIC: Deixem a Portugal Telecom (PT) cair em paz!

Caiu a ilusão do investimento público sem critério, das auto-estradas que ninguém pagava, das empresas públicas e municipais para onde se desorçamentava e chutava a dívida. Caiu o sonho dos grupos empresariais "campeões nacionais", que cresciam alimentados por rendas de monopólios ou mercados protegidos, livres de concorrência mas tutelados por interesses políticos.

Caiu o BES (Banco do Espírito Santo) e agora cai a PT, a simbólica cereja em cima do bolo. A derrocada do projeto da Portugal Telecom é irmã siamesa da falência do Grupo Espírito Santo. Pelos 900 milhões que os gestores da PT "enterraram" no acionista? Sem dúvida que esse foi o dado mais visível, o pretexto incontornável para atirar ao chão o tabuleiro do jogo. Mas esse ruinoso ato de gestão mais não foi do que o corolário dos perversos interesses cruzados que andaram de mãos dadas durante anos.

Esses interesses não se limitavam ao banco e à empresa de telecomunicações, aos seus principais acionistas e gestores. O poder político foi o terceiro vértice do triângulo. Pelo que fez, pelo que não fez, pelo que deixou fazer e pelo que pediu para fazerem. Quando a lógica portuguesa do "uma mão lava a outra" corre mal, e corre mal muitas vezes, tudo acaba ao contrário, com uma mão a sujar a outra. 

Era bom ter um banco à mão para incentivar e financiar PPP, projetos que são bons para inaugurar e mostrar obra hoje mas com os encargos a ficarem para os nossos filhos e netos.
Foi bom ter uma empresa a comprar a rede fixa de telecomunicações quando foi preciso baixar artificialmente o défice do Estado de 2002. O Governo - então PSD/CDS, com Manuela Ferreira Leite na pasta das Finanças - precisava da receita extra e a PT prestou esse serviço. Servil, com boa cara. Pouco importou na altura aos governantes que estavam a hipotecar durante muitos anos o aparecimento de verdadeira concorrência do sector da telecomunicações, a privar os consumidores desse benefício e a alimentar esse "campeão nacional" com rendas fixas que são ilegitimas numa economia de mercado digna do nome.

Foi bom ter uma empresa que ajudou a financiar a Fundação do Magalhães e que foi instrumental na política governamental da e-escola, já no Governo de José Sócrates.

Foi bom ter uma empresa que fez de Rui Pedro Soares administrador executivo - uma visível ponta do iceberg dos ‘jobs for the boys' -, proativo ao ponto de ter começado a negociar a compra da TVI para a PT.

Foi bom ter à mão uma empresa que em 2010 voltou a ajudar a meta do défice público, desta vez com a transferência do seu fundo de pensões para o Estado. De novo servil e com boa cara.

Independentemente de estar cotada em bolsa e de ter a maioria do capital em mãos privadas, a PT nunca deixou de ter uma tutela pública, governamental, que ia muito para além do poder legítimo da "golden share".

A PT serviu a política e serviu-se da política. Para defender interesses próprios, para proteger mercado, para servir acionistas e gestores. No fundo, para perverter as boas regras do jogo empresarial e econômico.

É por isso que não entendo que agora se apele a uma intervenção do Governo - mais uma? - para "salvar a PT". Não chega já? Intervir para quê? Para continuar a fintar as regras? Para continuar a proteger o "status quo"? Quantos negócios honestos ficaram pelo caminho sufocados por esta aliança de interesses?

Deixemos a PT entregue à sorte que ela mesmo criou. Vamos olhar para esta crise como mais um capítulo "schumpeteriano" de destruição criavativa. Ou essa coisa do carácter renovador das crises é só para micro e pequenas empresas, para gente que não frequenta os salões do Ritz nem os gabinetes ministeriais? Pode ser que daqui se abra uma janela que deixe entrar o ar.
Fonte: site Economico de Portugal (13/10/2014)

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