quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Comportamento: Quando menos (desaceleração e envelhecimento demográfico) é mais

O encolhimento da população é sempre algo ruim? A julgar pelas lamentações de alguns economistas e autoridades em economias avançadas, onde as pessoas passaram a viver mais e as taxas de natalidade caíram abaixo do nível de substituição, certamente seria de se pensar que sim. Na verdade, os benefícios da estabilidade demográfica - ou mesmo de um ligeiro declínio - superam quaisquer efeitos adversos.
Sem dúvida, o envelhecimento da população traz óbvios desafios para os sistemas previdenciários. E, como sugerido por economistas, entre os quais Paul Krugman, também pode significar que as economias avançadas enfrentem não apenas uma recuperação lenta, mas também o risco de uma "estagnação secular".
Com o menor crescimento populacional, diminui a necessidade de investir em estoque de capital. Paralelamente, as pessoas que planejam ter aposentadorias mais longas podem querer poupar mais para assegurar pensões mais adequadas. Se essa poupança exceder a necessidade de investimento, pode levar a uma demanda agregada inadequada, deprimindo o crescimento econômico.
Não deve permitir-se que os desafios administráveis criados pelo aumento na expectativa de vida e pelo menor índice de nascimentos obscureçam os imensos benefícios de uma maior longevidade e de estabilização da população
Mas os desafios às políticas econômicas relacionados a essas mudanças demográficas são administráveis. E, talvez ainda mais importante, os benefícios de uma maior longevidade e de uma menor fertilidade são consideráveis.
Elevar a expectativa de vida é um resultado bem-vindo dos progressos econômicos e médicos e é quase certo que os avanços continuarão. De fato, a expectativa média de vida para as crianças nascidas em países prósperos poderia em breve superar os cem anos.
Isso implica uma proporção cada vez maior de pessoas com mais de 65 anos em relação aos mais jovens. No entanto, enquanto a idade média de aposentadoria subir e mantiver estável a proporção de tempo de trabalho e de aposentadoria, o fato de os anos de trabalho e os anos de aposentadoria estarem crescendo em ritmos iguais não tem efeito econômico adverso. Além disso, há fortes evidências de que o aumento na longevidade pode significar mais anos de vida ativa saudável, em vez de uma vida sem saúde e dependente.
Apenas políticas ruins, como o recente compromisso alemão em reduzir a idade de aposentadoria, podem tornar as vidas mais longas um problema econômico.
O declínio na fertilidade, inclusive em alguns países de renda média ou baixa, como o Brasil e Irã, também reflete desenvolvimentos sociais imensamente positivos - em particular, a maior influência das mulheres. Sempre que as mulheres tiveram direito à educação e a escolher quantos filhos querem ter, os índices de fertilidade caíram para os níveis de substituição ou para algo ligeiramente abaixo disso.
A queda nas taxas de nascimentos é um desafio maior para os sistemas previdenciários do que o aumento na longevidade, porque implica um aumento na taxa de dependência na terceira idade, mesmo se a idade de aposentadoria aumentar acompanhando a expectativa de vida. Mas enquanto as taxas de nascimento estiverem apenas um pouco abaixo do nível de substituição, a sustentabilidade dos sistemas previdenciários pode ser assegurada por meio de aumentos acessíveis nas contribuições. E taxas menores de nascimentos trazem o benefício compensatório de taxas menores de filhos dependentes, reduzindo os custos de educação ou permitindo mais investimentos por criança em educação.
A queda no crescimento populacional também pode reduzir o aumento na proporção de posses em relação à renda, assim como também conter o resultante aumento na desigualdade que Thomas Piketty recentemente destacou. Em muitos países, o aumento na proporção decorre principalmente da elevação do preço dos imóveis em comparação à renda, já que as pessoas mais prósperas dedicam uma parte cada vez maior de sua renda para comprar propriedades em locais desejáveis.
Para as economias avançadas de hoje, uma população estável ou com leve declínio provavelmente seria ótima para o bem-estar humano. Para o mundo como um todo, é uma meta desejável.
É também, entretanto, uma meta distante. Na verdade, o declínio da população nos países avançados é um problema bem menor do que o alto crescimento populacional em muitos países em desenvolvimento. O cenário intermediário de fertilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) projeta que a população mundial vai aumentar dos atuais 7 bilhões para 10 bilhões de pessoas em 2050.
Altas taxas de fertilidade em muitos países são consequência, em parte, da baixa renda. A relação causal, contudo, também funciona na outra direção. Altas taxas de fertilidade limitam as perspectivas de crescimento econômico, porque o aumento excessivo da população torna impossível acumular estoques per capita de capital físico e humano no ritmo necessário para sustentar altos ganhos de renda.
Comentários superficiais muitas vezes sugerem o contrário: países com altas taxas de fertilidade supostamente gozam de dividendos demográficos de uma população jovem e de alto crescimento. Analisando além do crescimento populacional, entretanto, não é possível criar empregos com a rapidez suficiente para absorver uma mão de obra cada vez maior.
Quase todos os países com índices de fertilidade muito superiores aos níveis de substituição deparam-se com índices de desemprego entre os jovens altos a ponto de serem social e economicamente nocivos. A instabilidade política no Oriente Médio tem muitas causas, entre elas, a falta de empregos para os jovens, em especial homens.
Sim, a desaceleração demográfica pode, como Krugman e outros argumentam, aumentar o risco de deficiências na demanda e de crescimento abaixo do potencial. Mas se o problema é uma demanda inadequada, o risco pode ser evitado. Governos e bancos centrais sempre podem criar demanda nominal adicional, se estiverem dispostos a usar todas suas ferramentas disponíveis, como investimentos públicos financiados por dívidas ou dinheiro.
Se o envelhecimento das populações levar a uma estagnação secular, as causas serão políticas falhas. Em contraste, os problemas criados pelo crescimento excessivo da população estão enraizados em limitadores reais e inevitáveis. Não deve permitir-se que os desafios administráveis criados pelo aumento na expectativa de vida e pelo menor índice de nascimentos obscureçam os imensos benefícios de uma maior longevidade e de estabilização da população. E, certamente, esses desafios administráveis não deveriam nos cegar para as consequências econômicas e sociais adversas do rápido crescimento.
Fonte: Valor (14/08/2014)

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