quarta-feira, 2 de julho de 2014

Fundos de pensão e os regimes de precificação dos ativos (investimentos) e passivos (reservas matemáticas) das EFPC's

A métrica apropriada para se monitorar a solvência de uma Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC), ou seja, sua capacidade de arcar com os pagamentos dos benefícios futuros, deve: 

•Alinhar incentivos, de modo que a gestão se dedique a atingir os objetivos de longo prazo do plano; 
•Fazer com que o custeio (necessidade de contribuições) seja consistente com a concessão do benefício e não recaia desproporcionalmente entre diferentes gerações de participantes; 
•Reduzir o impacto que a volatilidade conjuntural do déficit do plano tem sobre o balanço da patrocinadora.

Seja A o valor do ativo do plano e P o valor presente do seu fluxo de obrigações (passivo), para que a razão de solvência, definida como A/P (ou, alternativamente, o déficit do plano, dado por A-P), atenda às propriedades mencionadas é necessário que os métodos de precificação (valoração ou apreciação) de A e P sigam as "mesmas regras", isto é, sejam compatíveis. 
A determinação do valor de A é menos controversa, pois existem mercados para ativos líquidos e técnicas de "valuation" para os demais. No caso da precificação do passivo o desafio é maior. Algumas considerações que devemos ter em mente ao definir a taxa de desconto do passivo: 
•Taxa de inflação; 
•Taxa real de desconto, ou seja, qual o custo de oportunidade acrescido do prêmio de risco relevante. Nesse caso, podemos identificar as três alternativas mais empregadas internacionalmente: (i) obter fatores de desconto a partir de bonds corporativos de rating AA ou superior; (ii) usar as taxas de swaps acrescidas de um spread de crédito pré definido; e (iii) usar o retorno de longo prazo dos ativos da carteira (isto é, desconta-se o passivo com a taxa esperada de retorno do ativo). 
•O período de tempo (janela) empregado no cálculo da taxa de desconto. Janelas de tempo mais curtas produzem um valor presente do passivo mais volátil. 

Outra questão menos imediata é se deveríamos aplicar uma única taxa de desconto para todo o fluxo de caixa do passivo. Analisando essa questão sob a ótica da gestão de risco, deveríamos utilizar, ao menos, duas taxas de desconto: uma para a parte do passivo já "apropriada", ou seja, aquela referente aos direitos já constituídos dos participantes, e outra (mais elevada), para a parcela a apropriar. Essa última parcela é determinada por fatores que vão desde o perfil de risco da patrocinadora, até a não verificação das premissas atuariais (como o crescimento salarial da massa de participantes, por exemplo). 
A incompatibilidade da precificação desses "dois lados do balanço" pode levar ao aparecimento de déficits de natureza anômala, isto é, não decorrentes da insuficiência patrimonial econômica das EFPCs. Vamos considerar um exemplo. Suponha uma entidade que marca o ativo "a mercado" e o passivo "a vencimento". Ao enfrentar um ambiente conjuntural com elevação das taxas de juros, participantes e patrocinadoras podem ser chamados a aportar mais recursos no plano por razões contábeis, e não econômicas, como deveria ser. 
Na presença de déficits dessa natureza, o participante passa a confundir risco e volatilidade, pois a volatilidade do ativo a mercado se transfere ao déficit, dado que o passivo está marcado a vencimento. O participante associa enganosamente a volatilidade do ativo com o seu risco, que é essencialmente dado pela capacidade de solvência do plano no longo prazo. Com isso, o participante passa a preferir alocações em renda fixa pós-fixada que, apesar de possuírem menor volatilidade, possuem um risco maior devido à oscilação do componente juro real "dentro" do juro pós-fixado. 
E como a gestão poderia reagir mediante à possibilidade de uma situação como essa? Buscando controlar a volatilidade do déficit no seu balanço (consequentemente, divergindo do objetivo de longo prazo do plano), a EFPC poderia privilegiar ativos de renda fixa pós-fixada em detrimento de ativos que apresentam curva J (como o private equity) ou que tenham prazos de vencimento longos. Ambos tipos de ativos têm fluxos de remuneração mais "casados" com o fluxo de obrigações da entidade. Por fim, essa situação de déficit anômalo teria impactado negativamente o balanço da patrocinadora. 
Esse relevante assunto está na pauta das discussões do setor de previdência complementar. Nosso objetivo com esse texto foi contribuir com reflexões, destacando impactos indiretos que a definição de métodos e métricas pode ter sobre incentivos dos gestores, comportamento dos participantes e a capacidade da EFPC em atingir seus objetivos de longo prazo. 
Fonte: Valor Online (02/07/2014)

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